Voltar 12/11/2018 | 'Estamos no primeiro minuto do primeiro tempo', diz fundador do Nubank

 

Publico em 12/11/2018

Por Luiz Guilherme Gerbelli e Tais Laporta - G1

 

Com 5 milhões de clientes de cartão de crédito e 2,5 milhões da conta digital, o fundador e CEO do Nubank, David Vélez diz que a empresa ainda está no começo e que pretende transformá-la em algo 'tão vital como o WhastApp'.

 

No escritório do Nubank em São Paulo, cinco dinossauros desenhados na parede de um grande salão fazem referência aos principais bancos do país. Fundado em 2013, o Nubank é aparece no desenho como um meteoro em queda, num claro sinal de que a empresa luta para ser uma ameaça para o atual sistema financeiro brasileiro.

Desde que lançou o seu primeiro produto, o cartão de crédito, em 2014, o Nubank já alcançou a 5 milhões de clientes. Recentemente, também inaugurou uma conta digital, a NuConta, em que oferece uma remuneração melhor do que a da poupança. Já são 2,5 milhões de pessoas nesse produto.

Em outubro, o Nubank recebeu uma nova rodada de aporte. A empresa chinesa de internet Tencent fechou acordo para comprar uma fatia minoritária do Nubank por US$ 90 milhões. Ao todo, já foram captados US$ 420 milhões.

"Nossa meta de longo prazo é ser uma plataforma financeira completa em que nossos clientes consigam todos os produtos financeiros", diz o CEO e fundador do Nubank, David Vélez.

Na série O Futuro das Fintechs, o G1 publica entrevistas com líderes e fundadores de algumas das fintechs que mais cresceram no Brasil, para falar sobre regulamentação, o cenário de concorrência e os desafios para continuar crescendo no mercado brasileiro.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao G1.

 

Em qual momento está o Nubank?

Estamos no primeiro minuto do primeiro tempo, falta muito. Ficamos muito focados em cartão de crédito, lançamos o programa de recompensas no ano passado, atrelado ao cartão, e estamos acelerando a nossa conta digital. Agora, estamos focados em crescer a conta e aumentar o número de funcionalidades. É um momento de continuar crescendo e lançar novas funcionalidades. No começo do ano, por exemplo, o Banco Central aprovou nossa licença (para ter uma financeira), o que vai permitir o lançamento de novos produtos.

 

Você poderia detalhar quais seriam esses novos produtos?

Nossa meta de longo prazo é ser uma plataforma financeira completa em que nossos clientes consigam todos os produtos financeiros.

 

Quem é o cliente do Nubank? São as pessoas que saíram dos bancos ou são aquelas que não tinham acesso ao serviço financeiro?

Isso tem mudado muito. No começo do Nubank, 80% dos clientes adquiriam o primeiro cartão. A média era de 21 anos, era um cliente bem jovem. Hoje, 80% dos clientes já tinham produtos em outros bancos, mas estão cancelando esses produtos e vindo para o Nubank. Só 20% dos clientes nos usam para o primeiro cartão. E a média de idade subiu para 31 anos.

 

O Nubank pretende atingir essa massa de brasileiros desbancarizada? São cerca de 60 milhões de pessoas.

Sim, com certeza. É um mercado importante. Na parte do cartão de crédito, é mais difícil chegar a esse desbancarizado. Mas numa conta digital, muito do que estamos fazendo na NuConta é um produto destinado para essas pessoas, para as pessoas desbancarizadas, mas que têm WhatsApp, Facebook, Twitter.

 

O mercado em que o Nubank atua é bastante concentrado e os grandes bancos estão se movimentando. Como lidar com esse cenário?

Enxergamos essa concentração como uma grande oportunidade. É saudável para o país ter mais alternativas para os consumidores. Imagina se você só tivesse cinco restaurantes para comer todos os dias? Seria muito ruim. Os consumidores estão prontos para abraçar novas alternativas, os mais jovens querem novas alternativas. Todos estão se movimentando. E isso é ótimo porque está forçando os grandes bancos a trazer novas alternativas para os consumidores.

 

As medidas que estão sendo adotadas pelos órgãos reguladores são suficientes para estimular o crescimento das fintechs?

O Banco Central tem se dado conta da importância que é ter um sistema com mais alternativas e também entende que muitas alternativas podem aparecer e não colocar o sistema em risco. Até agora, a gente acha as medidas positivas. Eles podem ir além? Com certeza. Há muitas oportunidades para ir além e baixar as barreiras regulatórias.

 

Como você avalia a portabilidade dos salários para as contas digitais. Foi uma medida importante?

Com certeza. Acho que é uma medida muito importante para que o poder de escolha esteja na mão do consumidor. Se o consumidor enxerga melhores opções, quer receber o seu salário em outras contas, ele deve ter o poder de escolha. É uma medida excelente. A gente está vendo que os bancos ainda estão colocando barreiras, obstáculos, parte disso tem de melhorar. Mas em geral é uma mudança muito pró-consumidor e é muito boa.

 

Você disse que o Nubank está ainda está no início, mas poderia detalhar qual é a expectativa de crescimento?

Não consigo falar em números específicos, queremos atingir a maior parte de brasileiros. Existe a oportunidade de ser a conta para a maior parte da população, uma conta que seja vital, tão vital como o WhatsApp.

 

E a meta de participação de mercado?

Temos, mas é interna. Queremos ser um jogador relevante no mercado.

 

Mas relevante significa brigar com os bancos que estão na frente de vocês?

Sim.

 

Nos últimos balanços, o Nubank reportou prejuízo. Você tem alguma previsão de quando a empresa vai ter lucro?

Se a gente quiser gerar lucro hoje, a gente geraria. Nossas receitas são muito maiores do que as despesas necessárias para suportar o negócio. Mas dado que estamos no primeiro minuto do primeiro tempo, dado que ainda há um monte de produtos que queremos lançar, temos uma oportunidade de crescimento muito grande. Hoje gerar lucro seria uma grande oportunidade que desperdiçaríamos. O que a gente faria com esse lucro, voltaria para os nossos investidores?

 

Eles não querem isso?

Eles querem que a gente continue crescendo, investindo. Então, por estratégia, a gente não quer gerar lucro ainda. E no ano que vem também não. Ninguém dos nossos investidores quer que a gente gere lucro. Eles querem que a gente continue investindo.

 

Mas como tem se dado a relação com os investidores? Recentemente, o Nubank recebeu um aporte da chinesa Tencent.

Recebemos continuamente interesse de investidores, mas pensamos em construir nosso grupo de investidores do mesmo jeito que construímos a nossa equipe da diretoria. Na equipe da diretoria, cada pessoa tem uma função, uma diferenciação, do mesmo jeito é com os nossos investidores: cada um traz algo diferente, especial. E essa foi uma das razões, por exemplo, que trouxemos a Tencent. A empresa não tinha nenhum investidor que tivesse um negócio estratégico. Hoje, o Nubank não precisa de mais investimentos, de capital. Se no futuro a gente achar investidores que consigam trazer outro tipo de capacidade e conhecimento, vamos ser muito estratégicos na hora de trazer para dentro de casa.

 

O Nubank já inaugurou um escritório em Berlim. O que motiva esta decisão de ter uma presença lá fora?

A decisão de ter um escritório fora, em Berlim, tem como base o fato de enxergarmos que está faltando capacidade de contratar certos recursos técnicos. Precisamos de experiência em algumas engenharias que não encontramos no Brasil. Então, é provável que daqui a alguns meses a gente tenha outros escritórios internacionais, mais para contratar pessoas de outros países do que necessariamente para expandir o Nubank para outros países. Hoje, o foco de mercado é 100% Brasil.

 

A empresa tem planos para fazer parcerias com outras instituições financeiras ou aquisições?

Com certeza. A gente está muito disposto a fazer parcerias, a fazer aquisições. A gente está falando continuamente em parcerias com outros bancos, com outros tipos de fintechs. Estamos bem abertos. É questão de encontrar parcerias certas.

 

O Nubank cresceu num ambiente de crise. Qual é o desafio de avançar nesse cenário e agora diante dessa lenta retomada?

Crescer numa das maiores crises brasileiras foi um grande desafio. Crescemos por cinco anos, numa recessão, dando cartão de crédito para pessoas jovens, com muitas delas perdendo o emprego. Isso forçou uma disciplina grande, forçou construir bases muito sólidas, modelos de crédito e de fraude bastante sofisticados. Temos 5 milhões de cartões de crédito. Mas mais de 20 milhões de pessoas pediram cartão e a gente falou 'não, não pode' para várias. Dessas 20 milhões, poderíamos ter dito sim para 1 milhão, 1,5 milhão. Falamos não pela crise porque precisamos de um colchão para ser mais conservador. Se o país começa a caminhar na direção certa, isso vai nos permitir ter menos colchão, talvez ser menos conservador, e permitir crescer um pouco mais rápido, ainda mais rápido do que a gente já cresceu.

 

Agora vocês esperam ser menos seletivos?

A gente sempre vai ser bastante seletivo, mas vamos conseguir criar produtos para uma parcela da população com menos risco. E com certeza, se o desemprego começar a cair, dar crédito vira algo menos arriscado do que é hoje. O PIB do Brasil teve uma contração de mais 8% desde que o Nubank foi lançado, então num cenário mais positivo a gente pode crescer mais.