Voltar 18/10/2018 | BC prepara modelo de 'open banking' para ser implementado já em 2019

 

Publicado em 16/10/2018

Por Isabel Versiani - Valor Econômico

 

O Banco Central definirá, até dezembro, um modelo geral para o funcionamento do “open banking” no país para ser implementado a partir do ano que vem. Em linhas gerais, essa tecnologia possibilita a terceiros acessar e até mesmo movimentar recursos de contas bancárias — desde que com a autorização do cliente. O princípio é que os dados financeiros são dos usuários, e não das instituições financeiras.

A formatação pelo BC, já em discussão com os bancos, vai delimitar questões como a sistemática de compartilhamento dos dados bancários dos clientes, escopo de serviços que podem ser oferecidos e tipo de empresas que podem atuar nessas plataformas abertas, além de prazos de implementação. No mercado, uma das grandes expectativas é em que medida os bancos serão estimulados, ou até forçados, a fornecer os dados de seus clientes, quando autorizados por eles.

Bancos e empresas de tecnologia financeira, as “fintechs”, também especulam sobre as vantagens e desvantagens de o órgão regulador padronizar a forma de comunicação dos bancos com terceiros. No open banking, as instituições financeiras disponibilizam informações sobre seus clientes a outras empresas por meio das chamados APIs, interfaces de programação digital. Esse compartilhamento automatizado abre espaço para a oferta de uma ampla gama de serviços financeiros por diferentes instituições em um mesmo ambiente digital.

O modelo também permite ao usuário final dar início a pagamentos nessa plataforma, autorizando o débito de uma de suas contas bancárias, por exemplo, para quitar parcelas de financiamento que tenha contratado com outro banco ou fintech ou para a compra de um produto ou serviço. Alguns bancos já trabalham com parcerias no formato open banking no país, mas, para que a plataforma passe a ser de fato um instrumento de estímulo à concorrência, como pretende o Banco Central, o compartilhamento deve ser mais abrangente, dando aos clientes poder para escolher as instituições que podem ter acesso a seus dados. Internacionalmente, uma das principais referências de regulação do open banking é a Europa, onde os bancos foram obrigados a abrir os dados dos clientes de forma ampla, a partir do início deste ano.

Em um outro extremo, em Hong Kong, os bancos mantiveram por ora autonomia para definir com que empresas ou instituições compartilham os dados dos seus clientes. No Brasil, o caminho considerado mais provável é o de uma regulação mais impositiva, ainda que precedido de uma discussão com o mercado e de consultas públicas. “Deve ter uma regulamentação, lógico, porque você precisa de segurança em pagamentos, em dados, em utilização de sistemas”, afirma José Luís Rodrigues, conselheiro da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs).

“Mas vejo esse processo como um caminho sem volta, e acho que os bancos já entenderam isso.” Entre as grandes instituições financeiras, o Banco do Brasil é o mais adiantado no desenvolvimento de parcerias no modelo de open banking. O banco já compartilha dados por meio de APIs com empresas que prestam serviços diferenciados aos clientes, como a ContaAzul, fintech que oferece uma plataforma de gestão integrada ao fluxo das contas bancárias para micro e pequenas empresas; a bxblue, startup de comparação de crédito consignado; e a Dotz, principal programa de fidelidade do varejo brasileiro. O compartilhamento das informações dos clientes só acontece com a autorização expressa dos mesmos.

O gerente-executivo da Diretoria de Negócios Digitais do BB, Carlos Rudnei, afirma que as parcerias são definidas tendo em vista o modelo de negócios e o que vão agregar de vantagem para os clientes. Segundo o executivo, a expectativa é que o BC seja mais criterioso do que a Europa na delimitação do leque de empresas que poderão acessar os dados bancários. “Talvez venha algo mais regulado, mais fechado”, afirmou. Rudnei também diz entender que, diferentemente do que ocorreu na Europa, o BC deveria definir uma padronização para as APIs, modelos detalhados para essas interfaces dos bancos com outras instituições e empresas.

Segundo ele, a regulamentação já é objeto de discussão dos bancos, via Febraban, com o Banco Central, mas não há ainda indicações de como o órgão regulador vai definir essas questões. Procurada, a Febraban não quis comentar. O Banco Central também disse que não comenta questões específicas relacionadas à formatação do modelo, previsto para o fim do ano.

Por meio de nota, a autarquia afirmou que o open banking é um tema de interesse “tendo em conta o potencial impacto na oferta de novos serviços financeiros e sobre a concorrência”. Ricardo Taveira, CEO da fintech Quanto, que desenvolve plataformas para open banking, diz que o setor espera uma atuação “enérgica” do BC para garantir que os dados dos clientes sejam de fato abertos e que a experiência de acesso a essas informações seja a mais descomplicada possível, atendidos os requisitos de segurança.

Nesse sentido, ele defende uma regulação menos detalhada estabelecida pela Europa para a comunicação com os APIs. Esse modelo, segundo ele, se contrapõe ao adotado na Inglaterra, onde foi feita uma padronização que envolveu inclusive o direcionamento da linguagem a ser usada no compartilhamento de dados. “Do lado dos consumidores das APIs, das fintechs, a experiência europeia tem sido melhor”, afirmou Taveira.

“A boa condição de acesso passou a ser um ponto de diferenciação competitiva entre os bancos, a partir de requisitos mínimos.” Marcílio Oliveira, diretor da Sensedia, empresa que desenvolve APIs, acredita que o processo de regulamentação não vai ser concluído antes de 2020.

Ele vê certa resistência dos grandes bancos em abrir as informações para outras instituições e afirma que há muitas questões relacionadas à tecnologia e à segurança a serem definidas. “Mas o movimento do open banking na prática vai vir cada vez mais forte, e por meio dos bancos médios, não dos grandes”, acredita. Um possível exemplo dessa resistência citada por Oliveira – e também de como o governo deve lidar com ela - é a ação movida pelo Bradesco contra o GuiaBolso, empresa que oferece aplicativo para a gestão de contas bancárias. O Bradesco pede, na Justiça de São Paulo, que o GuiaBolso seja impedido de coletar dados dos seus clientes.

O Ministério da Fazenda pediu para atuar como parte interessada na ação. Também solicitou que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) investigue possíveis infrações concorrenciais do Bradesco ao GuiaBolso. Em sua petição, a Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac) do Ministério da Fazenda argumentou que “aplicações como o GuiaBolso contribuem para a educação financeira do consumidor e...permitem que o consumidor tenha acesso a crédito mais barato, ao mesmo tempo em que asseguram menor inadimplência”, afirmou o órgão. Procurado, o Bradesco disse, por meio de nota, que não comenta a ação judicial, mas “esclarece que acredita e incentiva a livre iniciativa e não pratica qualquer conduta anticoncorrencial”.

 

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https://www.valor.com.br/financas/5926927/bc-prepara-modelo-de-open-banking-para-ser-implementado-ja-em-2019