Minas Gerais

Minas são muitas. Num estado cercado de terras, o mar é do lado de dentro. Não poderia ser diferente: traçando limite com outros seis estados - do nordeste, centro-oeste e sudeste - e possuindo a maior subdivisão de municípios do país, Minas Gerais, do sertão à mata atlântica, é diverso, múltiplo, misturado. A forte tradição presente na cultura mineira entra em choque na medida em que a jovem Belo Horizonte, predestinada a capitanear o grande território pós-colonial, se torna cosmopolita e globalizada.

A produção musical mineira não deixaria de refletir a diversidade de trajetórias das distintas regiões do estado que projeta o caipira e o metaleiro ao mundo. Nem sempre é justo tomar a parte pelo todo.

A cultura interiorana e tradicional mineira pode ser observada também aos pés da Serra do Curral e com este ingrediente as pessoas de lá fazem formas, maneiras, manias. Em uma esquina no bairro Santa Tereza se fez um clube que cantou uma brasilidade singular. O mar de montanhas transborda muito além do clube. Neste repertório de músicas e discos convidamos o ouvinte para conhecer os picos, os vales e os entremeios desta cultura musical que transpira e ecoa das minas. E dos gerais.

A arte nos possibilita valorizar o que nos é próprio e favorece a abertura à riqueza e à diversidade da manifestação humana. Além disso, torna-nos capazes de perceber a realidade cotidiana mais vivente no exercício de uma observação crítica do que existe em nossa cultura, possibilitando a conscientização de que o patrimônio artístico é elemento imprescindível para o reconhecimento e valorização de indivíduos e grupos. Dentro desse leque das artes está a música, cumprindo tal papel como uma ferramenta dinâmica e acessível dentre as outras.

O território do atual estado de Minas Gerais não foi composto somente a partir da região de exploração aurífera, mas também contou, entre elas, com a região pastoril do norte do estado, fornecedora de alimentos que sustentaram a nascente sociedade na terra infértil em que ocorria a produção minerária.

O estado de Minas Gerais, portanto, formou-se da exploração de ouro nas minas e da atividade agrária nos gerais que, por sua vez, supriu as necessidades de subsistência para aquelas áreas. É necessário contextualizar este fato pois ele está semioticamente presente na identidade artística e cultural do no norte de Minas.

Nesta perspectiva, a região dos campos gerais, pode ser considerada um espaço singular. Possui uma relação muito mais estreita com o que se entende por sertão, do que com as minas das montanhas. Há uma cosmovisão diferente, e, como prova disso, basta ler Grande Sertão: Veredas, conversar com seus habitantes ou, ainda, conhecer os artistas locais, ligados à cultura popular, que refletem o modo de pensar e se expressar dessa terra.

Pela música, o sertão nos oferece uma particularidade de sons e poéticas, geralmente associados ao baião, à aridez, a modos lídios e escalas dominantes. Tais elementos, que destoam da formação barroca da música mineira, que, apesar de serem presentes no norte de Minas, não são suficientes para decodificar toda a musicalidade geraizeira.

Nos últimos anos, o norte de Minas tem se despontado no cenário mineiro com uma crescente e inovadora produção cultural, ressignificando o espaço geográfico dos gerais e promovendo uma verdadeira revolução de sonoridades. Além da atuação da geração contemporânea é visível também o observatório das produções de artistas e grupos de gerações passadas que moldam e narram as peculiaridades deste vasto sertão norte mineiro que está sempre dialogando com a perspectiva cosmopolita.

O que resulta dos atravessamentos da herança simbólica desses dois lugares que coexistem - as minas e os gerais -, sob o ponto de vista artístico, com as infinitas possibilidades de combinações, se torna quase impossível de nomear e até mesmo de categorizar. Sim, pois além da materialidade dos territórios é fundamental evidenciar a decisiva influência das populações negra e indígena no desenvolvimento do estado. Sobretudo cultural. Contribuição que ainda clama por reparação e reconhecimento da sociedade e dos governos, por meio de investimento em políticas culturais afirmativas. A rica música produzida em MG é fruto da erudição colonial europeia, da erudição africana vinda (forçadamente) de diversos povos e tradições, principalmente bantu, da expressão popular inspirada pelas irrepetíveis paisagens de 853 municípios, e, mais recentemente, fruto do avanço das telecomunicações, transbordando a produção para além dos limites geográficos.

Portanto, propor um panorama abrangente da música mineira não é tarefa simples. Na tentativa de encarar esse desafio, os curadores optaram por um recorte, uma linha entre norte e sul do estado, passando por Belo Horizonte e região metropolitana, incluindo as regiões do eixo leste-oeste de maneira complementar na pesquisa. Também foram priorizadas as faixas e álbuns em língua portuguesa. Outra particularidade que merece olhar especial em edições futuras do projeto: o Rock dito “pesado”, autoral, em Minas Gerais é muito presente e diverso, cujo surgimento remete ao início dos anos 80, e seria necessário um aprofundamento específico no gênero.

Um aspecto a ser levantado é a disparidade entre artistas homens e mulheres quando nos debruçamos sobre o quesito Discografia. A imensa maioria de artistas homens com registros fonográficos em LPs, compactos, singles, EPs e álbuns só denota a desproporcionalidade representativa. Cabe à nossa geração operar as mudanças estruturais necessárias para uma plena participação e garantia da diversidade de gênero, bem como racial e etária.

Destaca-se ainda, na premissa das regiões, uma forte produção autoral nas cidades sul-mineiras conectadas pela estrada BR-459 (que liga Poços de Caldas à via Dutra, em  Lorena, SP, passando por Itajubá) e nas microrregiões de Alfenas, Varginha e Passos. Como em décadas passadas, a proximidade com a BR-381, Rodovia Fernão Dias, amplia o acesso à informação e à circulação de produtos culturais. No triângulo mineiro, Uberlândia continua sendo uma cidade estratégica em relação a formação de público para a nova música brasileira.

Aproveitando as características fronteiriças em cada área de divisa do estado, a música de Minas Gerais mantém suas raízes com forte presença da cantoria, da viola caipira armorial, das congadas e moçambiques, incorporando, sem medo, o Jazz, o Samba, o Rock, o Rap, o Pop, a música eletrônica e outros estilos urbanos. O momento é de liberdade criativa e de pluralidade de protagonismos. O presente trabalho é um convite para adentrar o universo de nossa musicalidade, em constante transformação. Deixar o coração bater sem medo. Boa audição!

Gabriel Murilo
Edson Lima
Pedro Cezar

Edson Lima

Edssada é natural de Almenara/MG, Vale do Jequitinhonha. Produtor e agitador cultural, performer musical e pesquisador da cultura popular, atua no cenário das artes integradas na região do Norte de Minas Gerais desde o final de 2005. Residente em Montes Claros/MG. Cofundador e participante de grupos como: A Outra Banda da Lua, Orquestra Catrumana do Groove Solto, Baru Sonoro, Instituto Cultural Faminguê, companhias de teatro ( Cia de Cá; Grupo Tuia, Espiralada entre outros). 

Gabriel Murilo

Gabriel Murilo é músico, ator e gestor cultural. Sócio das produtoras Inventoria e Aventura, realiza os projetos Música Mundo, Mostra CineCidade, Liquidificador, Vespertin e Murucututu Festival. É mestre em Música pela UFMG e mestrando em Economia e Política da Cultura e Indústrias Criativas pela UFRGS/Itaú Cultural. Já circulou no Brasil e internacionalmente com os grupos Serelepe, Confeitaria e Macaco Bong. 

Pedro Cezar

Pedro Cezar é músico, bacharel em Música Popular, compositor, produtor e gestor cultural poços-caldense. Na música desde 1998, viveu também em Belo Horizonte e São Paulo, excursionando pelo Brasil, além de participações em festivais na Bolívia e na Argentina. De 2010 a 2018 foi coordenador de planejamento do Coletivo Corrente Cultural, à frente de projetos em prol da música independente local e do aprimoramento das políticas públicas para a Cultura. Entre 2012 e 2020 ocupou o cargo de Analista de Cultura no Sesc em Minas Gerais. Atuou como docente no curso FIC de Gestão Cultural do IF Sul de Minas - Campus Poços de Caldas, em 2013 e 2014; e no curso Ações e Noções: Gestão Cultural, da Autarquia Municipal de Ensino de Poços de Caldas, em 2020. Enquanto representante da Música, nos últimos anos se dedicou ao Conselho Municipal de Política Cultural de Poços de Caldas, exercendo a presidência do mesmo por 8 anos (mandatos Jul/2013 a Jul/2017 e Jul/2018 a Jul/2022).